A extraordinária viagem da experiência humana

Ser uma humana é uma viagem muito louca.

Olhe bem para você, para o seu corpo – o que leva as células que o compõem a se configurarem de tal maneira? Você poderia ser uma planta, mas você é… você! Encare seus próprios olhos de frente para o espelho, tente enxergar o abismo que é a sua alma – como é possível sermos tão iguais e, ao mesmo tempo, tão ímpares? Tente responder à pergunta definitiva: qual é o sentido da vida?

Venha. Me dê sua mão e passeie comigo nesse oceano de dúvidas que nos rodeia.

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Vez ou outra (com mais frequência do que os médicos recomendariam), mergulho fundo nas questões para as quais ainda não tenho resposta, e fico extasiada. Chego a pensar que o que vale mesmo nessa vida são as perguntas que ocupam meu tempo, que me movem através dos dias. O sentido de viver parece estar intimamente atrelado à capacidade de questionar, ou ao prazer que isso proporciona. Investigar, até chegar à verdade, ou ao menos vislumbrar algo que se aproxime de um vestígio embaçado dela.

O mistério da vida – tanto o como quanto o por que – é realmente digno de muita análise. Creio que jamais saberemos todos os porquês, e vejo isso com bons olhos. As certezas poderiam nos privar da busca por sentido.  Seríamos como amebas ampliadas, porém multicelulares.

Submersos no enigma da existência, somos impulsionados pelos desejos primitivos de sobrevivência, tentados a caminhar sem ousar erguer os olhos para além da matéria. Somos levados a crer que essa vida é algo banal, natural mesmo, que nossa passagem pelo planeta não passa de um acidente do acaso ou da vontade de um Deus cujo rosto não conhecemos. Tudo o que há, incluindo nós humanos, é e existe por mera coincidência ou graças ao planejamento de entidades que nos comandam.

Não sei, não. Tenho minhas dúvidas.  

Ser uma humana é coisa tão maluca e profunda, que me permite passar o tempo dissecando a realidade – coisa que, provavelmente, deus algum gostaria que eu fizesse. Muito menos a sorte (coisa tão abstrata que sequer possui  vontade própria).

O humano é relativamente livre para decidir o que fazer com o seu tempo. Hoje, por exemplo, decidi que vou fundir a cuca pensando sobre a nossa existência.

Olha só, a gente existe, e não só isso, a gente é. O que é ser? O que significa existir?

Existir é um verbo quase inexplicável. Estamos aqui nesse planeta, nesse corpo de carne e osso, e sabemos que existimos – mas, como? Por que? Nossa consciência diz que sim, estamos aqui, vivendo e experimentando o existir em sua plenitude, uns mais imersos nesse mistério, outros mais desavisados.

Em algumas culturas, acredita-se que a realidade também é questionável, que tudo não passa de uma projeção da consciência. O mundo é o que você deseja. Como se fosse viável transformar nosso entorno como num passe de mágica, através do mero sopro de uma palavra.

E quando se trata do motivo pelo qual estamos aqui, a coisa fica ainda mais complexa. Há quem diga que os seres humanos existem para cumprir uma jornada evolutiva, ou para se tornar um com o universo – já que estamos todos conectados. Segundo o cristianismo, por exemplo, estamos aqui para servir a Deus, para adorá-lo e construir seu Reino no planeta Terra.

São propósitos interessantes, mas não sei se me contento com eles. Também não aceito muito a ideia de que nossa existência se resume a sobreviver, a empurrar com a barriga, ou a somente curtir os prazeres da carne.

Seja lá como for, todos existimos.

Inclusive as águas-vivas.

Eu poderia ser uma água-viva nadando em um oceano de dúvidas intermináveis, se o acaso quisesse. O que seria de mim, se fosse uma medusa marinha, se meu espaço fosse aquático, se eu me movesse com espasmos e tentáculos e fosse incapaz de falar? É provável que “eu”, de fato, não existisse – eu seria outra.

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A máxima cartesiana “Penso, logo existo” (ou também “Penso, portanto sou”) coloca a razão humana como o centro da existência, talvez a única forma possível de existir. A meu ver, esse aforismo é injusto com todas as outras espécies terráqueas. Não porque elas não pensam, mas porque nós, humanos, decidimos supor que somos a única espécie pensante.

Pense nos animais: quantas riquezas escondem dentro de si, as quais jamais poderemos acessar? Um gato, no calor da tarde, se estica e se contorce no asfalto, sob a sombra de uma árvore. Seus olhos estão semicerrados, mas ele parece contemplar a imensidão da vida, como um yogi, meditando profundamente. Esse pode ser um instante de abstração para esse animal – mas, para nós, ele é apenas um bicho preguiçoso olhando para o nada.

É certo que nossa maneira de experimentar o mundo nos parece única. Nossas emoções são profundas, intensas e, por vezes, julgamos que nenhum outro animal experimenta a vida como nós. Mas nenhuma experiência é igual à outra – nem mesmo entre seres da mesma espécie.

Fico imaginando o que se passa na cabeça dos animais quando nos observam e às vezes acho que eles são os mais inteligentes, por saberem exatamente como gastar o tempo, como viver a vida, sem complicações. Ou então, se uma raça alienígena supostamente mais avançada que nós pousasse aqui na Terra, o que pensaria a nosso respeito? Será que nos tomaria como seres que não pensam, portanto inexistentes?

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Certa vez, li um estudo que dizia que as árvores se comunicam e têm sentimentos. Portanto, elas existem também. E elas nos observam. Ah, como devem nos achar mesquinhos!

No livro “A Vida Secreta das Árvores”, o engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben defende que as árvores têm uma vida social complexa. Além de conversar para trocar nutrientes entre si, cuidar das árvores jovens e se unir para combater ameaças, elas podem, segundo ele, aprender – apesar de não possuir cérebros. Wohlleben descreve as árvores como “elefantes vegetais””.

– Trecho da matéria do Nexo Jornal.

Mas, e as pedras? E a terra, a areia que pisamos, o concreto, o plástico, essa tela, esse espaço virtual no qual escrevo?

Bem, talvez seja essa a beleza de ser humana. Nessa louca viagem de existir, penso e crio mundos, invento a realidade, disseco os sentidos até a exaustão. Sou e existo, mesmo ignorando o que isto significa, abraçando a plenitude do desconhecido. E, mesmo sem ter certeza de nada – como os animais, as pedras, o mato – sigo buscando fazer sempre mais perguntas, pois são elas que me conduzem por essa extraordinária viagem.


Imagem: Scott Webb – Unsplash