Como a escrita pode nos ajudar durante a pandemia

Ninguém esperava que este ano fosse assim, não é mesmo? Pandemia, isolamento, brigas entre quem acredita na ciência e quem desconfia que tudo não passa de uma conspiração. Eu não sei você, mas ultimamente sinto que tudo tem sido mais difícil de realizar, desde as tarefas mais básicas até as mais complexas. O cansaço toma conta de mim, em níveis que jamais imaginei. Saúde mental precisando de cuidado, o corpo precisando de contato.

Ficar em casa por muito tempo pode nos trazer sensações desagradáveis. Alterar completamente a rotina para sair de casa é algo cansativo – vestir a máscara, passar álcool 70 em tudo, lavar as mãos, lavar as compras, lavar os sapatos, as roupas e o corpo todo. Trabalhar, cuidar da casa, nutrir relações à distância. Fazer tudo no meio virtual, pois não tenho coragem de sair e arriscar a minha vida ou a de outras pessoas mais vulneráveis. Em que situação a gente foi se meter, né, humanidade?

Cansa. Cansa também lidar com pensamentos invasivos, cobranças, medo do futuro, de perder alguém querido para essa doença que já levou tanta gente em 2020.

Como passar por essa tempestade sem ficar à deriva?

A solução pode estar na escrita.

No início da pandemia, decidi que iria criar um diário para registrar os momentos da quarentena. Bem, ocorre que a quarentena já dura quase seis meses e o caderno se tornou o diário do ano todo. Comecei a reler alguns trechos dos meses passados – março, abril, maio – e percebo como mudei! Parece que se passaram anos desde então. Escrever tem me ajudado muito a manter a sanidade. Por isso, decidi compartilhar aqui algumas reflexões sobre como a escrita pode nos ajudar durante a pandemia.

Escrever para curar e compreender

Acredito que todo mundo tenha uma intuição de que a escrita é uma ferramenta terapêutica, pois muitas e muitos de nós temos o hábito de manter um diário, de escrever nossos pensamentos e devaneios em caderninhos, ou mesmo postar desabafos em forma de textão nas redes sociais. No entanto, muitas vezes nos perdemos nessa prática e nos esquecemos de prestar atenção ao poder curativo da escrita.

Quando estamos em contato com o ato de escrever, dedicamos toda a nossa energia a processar o que pensamos e sentimos, tentando traduzir essas confusões em palavras. Com isso, conseguimos revisitar nossas vivências e experiências sob uma nova ótica. Esse processo, por si só, já pode nos trazer muitas transformações: afinal, é uma espécie de autoanálise. E se você aliar essa prática à terapia, com o auxílio de um profissional, melhor ainda!

Além do mais, há o elemento catártico: quando escrevemos, colocamos para fora aquilo que nos aflige ou incomoda, o que nos revolta e entristece, ou mesmo o que nos torna felizes. Portanto, é uma forma de se libertar, de amplificar as experiências, de compartilhar com o leitor – se houver a intenção de publicar – aquilo que somos e vivenciamos.

Uma das consequências de toda essa jornada é a compreensão: de si e do outro, das mágoas, das cicatrizes e marcas que levamos em nós. Escrever é uma excelente maneira de lidar com aquilo que não entendemos muito bem. Mesmo quando se trata da produção de ficção, que supostamente é uma história que não está ligada à de quem escreve, desenvolvemos um olhar mais aguçado em relação a nós mesmos e às pessoas que nos cercam, aprofundamos o entendimento acerca da humanidade, dos comportamentos, dos sentimentos e emoções.

Escrever para entrar em contato consigo

Por ser um ato essencialmente solitário, e que requer uma dose de privacidade e silêncio, escrever é uma excelente forma de estar só, em sua própria companhia, sem sentir o peso da ausência de outras pessoas.

Quantas vezes adiamos nossos compromissos conosco para atender às demandas dos outros, não é mesmo? Para quem está em casa a maior parte do tempo, mantendo o distanciamento social, fica ainda mais difícil tirar um tempo para si: temos que cuidar da limpeza, preparar os alimentos, dar atenção a quem vive conosco; se vivemos sós, costumamos buscar entretenimento para nos distrair das preocupações e da solitude.

Mas, a verdade é que não se pode fugir de si mesmo o tempo inteiro. Talvez este seja um bom momento para marcar um encontro com a pessoa mais importante da sua vida: você. Encontrar-se na escrita é reconhecer a si próprio para além do espelho: é enxergar por dentro.

Escrever para cultivar a criatividade e manter a esperança

O excesso de informações nas redes sociais, a tristeza por ver tanto sofrimento no mundo e a falta de perspectiva podem nos fazer passar por um deserto de criatividade. Sem essa força criativa, vamos murchando e perdendo o ânimo. Isso sem falar na esperança, que mingua e resseca sem o fertilizante da imaginação.

Nesse sentido, nada melhor que praticar uma tarefa como a escrita, que trabalha nossa energia criativa e a mantém viva e pulsante. Criando histórias e poemas, podemos imaginar futuros possíveis, desenhar o mundo da maneira como desejamos, fugir um pouco da realidade esmagadora e até mesmo encontrar soluções para problemas reais. E, quem sabe, tocar os corações de quem lê nossos escritos, fazendo-os enxergar novas possibilidades.

Assim, conseguimos nos reconectar com a fantasia e nutrir a esperança de dias melhores!


Como você pode ver, são muitos os benefícios que a escrita nos proporciona! Então, que tal colocar suas mãos para trabalhar, desenferrujar a caligrafia (ou as técnicas de datilografia) e tirar proveito disso durante esse período tão conturbado?

Para encerrar o post, listei algumas dicas que podem ajudar você a incorporar a prática da escrita ao seu cotidiano.

  1. Defina um horário fixo para escrever. Tente honrar esse compromisso consigo diariamente, em um local tranquilo e reservado. Você verá, ao longo dos dias, que o peso dos acontecimentos e da rotina se tornará mais suportável, e sentirá falta de colocar suas palavras no papel, ou em alguma tela.
  2. Escreva como se ninguém fosse ler. Mesmo que, no futuro, você decida postar ou publicar seus escritos, não se preocupe com isso agora. A intenção é simplesmente deixar fluir suas emoções e vivências, de dentro para fora, da maneira mais autêntica possível.
  3. Crie um cantinho de escrita. Não precisa ser algo extraordinário: uma superfície para apoiar o caderno / tablet / notebook, uma boa iluminação, um lugar confortável para sentar já são suficientes. Seja onde for, o seu cantinho deve ser um local em que você se sinta à vontade e que esteja disponível no horário que você definiu para sua prática diária de escrita.
  4. Participe de grupos e oficinas de escrita. Escrever junto com outras pessoas é uma experiência incrível, e também muito motivadora. Quando nos reunimos com certa frequência, fica fácil sentir vontade de produzir e compartilhar nosso trabalho com os colegas. Sem contar que as nossas reflexões, crises, dores, epifanias e alegrias encontram eco naqueles que caminham conosco. Que tal experimentar? Você pode começar com nosso grupo Letras de Sábado (saiba mais aqui neste link).

Gostou deste post? Deixa aqui seu comentário contando como a escrita te ajuda a superar as dificuldades do mundo real. Ah, e aproveita para compartilhar com os amigos que também estão buscando meios para ajudá-los a passar por este momento.


Foto de minha autoria. Caligrafia por André Braga Jr.