Tudo é indagação

Noite. Hora de silêncios. Menos aqui dentro, onde tudo é indagação.

Queria saber o que pensam aquelas pessoas vestidas de verde e amarelo, gritando pelo retorno de um regime que não permitira protestos, para começo de conversa.

Queria poder entender o que se passa na mente de quem não sente vergonha de vociferar contra a vida de idosos ou de colocar dinheiro acima da preservação da própria espécie. Será que conseguirei, um dia, sentir por essas pessoas algo positivo? Senhor, como é difícil amar ao próximo, quando este se mostra tão nocivo e perverso!

Queria criar versos harmoniosos sobre as belezas do planeta, mas já não saio de casa há tanto tempo que só conseguiria falar sobre a estreita faixa de horizonte que vejo da minha janela. Para onde eu gostaria de ir, se tivesse a liberdade do passado – visto que, quando era possível sair, eu mal saía de casa?

Se eu soubesse que haveria uma pandemia, será que eu teria conseguido evitar o avanço da depressão e da ansiedade? Vivo dizendo que sim, mas a verdade é que não dá para saber.

Eu sou uma incógnita, até para mim. Quanto mais me conheço, mais tenho perguntas a fazer, um interrogatório infinito em meus diálogos internos.

Queria ter a resposta para as dúvidas mais urgentes da humanidade – por exemplo, “Quando poderemos sair de casa novamente?” ou “Como evitar o colapso da sociedade em meio a essa crise?”.

As respostas fogem de mim. Acordo de madrugada, ofegante, com medo dos sonhos esdrúxulos repletos de símbolos que surgem das profundezas do inconsciente. Ele também indaga inúmeras coisas, investiga o passado, analisa o presente, tenta me mostrar o que desejo saber. Mas ando incapaz de interpretar sinais.

De que adianta ler tantos livros, conhecer as simbologias, mitologias, cosmogonias, se na hora da verdade mal consigo saber quem sou? Desperto a cada manhã sem entender qual é o propósito disso tudo.

Eu gostaria de ter uma única resposta que fosse, porque não faço ideia de como irei explicar essa realidade atual para as gerações futuras. Como dizer que milhões de pacifistas valem menos que um punhado de genocidas? Como revelar essa verdade sem matar os sonhos de quem pode mudar o mundo? Sonhos… para quê existem?

Queria saber como resolver tudo em um piscar de olhos. Entender a “Mágica”, com M maiúsculo, como li no livro O Jardim Secreto. Mágica é Deus ou a Natureza? Não é tudo a mesma coisa, afinal?

Há poucas pessoas em quem podemos confiar, porque a grande maioria dos seres humanos se cansou de questionar. Há muitas certezas e convicções por aí, inabaláveis, incontestáveis, prepotentes arrogâncias que não se permitem duvidar. Isso significa, então, que as perguntas são mais valiosas que as respostas? O que acontece se eu também me cansar?

Queria poder enxergar o futuro, por um dia apenas, para tentar conter a minha ignorância, amenizar os equívocos, ser menos impaciente. Queria que a paciência tomasse conta de todo o meu ser e me ajudasse a dormir tranquilamente, esperando sem pressa nem receio pelo que ainda há de vir.

No entanto, a indagação é contínua: O que será que vai acontecer amanhã? E depois?

Se houver um depois, talvez eu venha a compreender os desígnios do universo. Por enquanto, tudo é dúvida, pergunta, incerteza.

Sou monotemática. E tudo, absolutamente, é indagação.


Foto: Emily Morter via Unsplash