Há alguns meses, iniciei uma especialização em escrita criativa pela plataforma Coursera. O programa de cursos é incrível, ministrado por professores-escritores-geniais da instituição estadunidense Wesleyan University, em inglês. (Juro que não é propaganda; aliás, seria ótimo se a Coursera me patrocinasse!) A cada semana de cada módulo tenho que escrever um texto diferente, em um idioma no qual sou novata quando se trata de escrita ficcional.
É muito estranho. Eu estudo inglês há mais de vinte anos, dou aulas, faço traduções, leio, escrevo e falo fluentemente, mas nunca tinha tentado me aventurar mais a fundo na escrita nesse idioma. Então, quando comecei a fazer o curso, parecia que eu jamais conseguiria escrever sequer um parágrafo interessante.
Para minha surpresa, aconteceu justamente o contrário: eu me sentei para escrever e as palavras fluíram com uma facilidade ímpar. A impressão que eu tive é que estava escrevendo em português, mas com algum “hack” no cérebro que me permitia enxergar em inglês.
A maneira de dizer as coisas em inglês é bem diferente da forma como nos expressamos em português e, por isso, as nossas literaturas são muito diversas entre si. Além disso, tenho a impressão de que há muito mais materiais disponíveis para estudo sobre técnicas e regras que envolvem a escrita em países de língua inglesa, sobretudo nos EUA, e isso enriquece demais a produção artística. Ou talvez a arte de escrever seja apenas mais valorizada e incentivada naquelas bandas.
Seja como for, a cada curso de escrita criativa que faço, aprendo um bocado, ainda mais quando ministrado por escritores ou professores de outros países e idiomas. Uma das coisas mais interessantes é perceber que prestar atenção em algo simples pode fazer toda a diferença em nossas criações.
Por exemplo, pensar em ideias materializadas em coisas, e não como meras abstrações.
Transformar o que está na nossa cabeça em algo palpável é uma tarefa árdua. Afinal, como se faz para transmitir ideias sem ficar à deriva no plano da abstração?
Nos desenhos e pinturas, talvez isso seja mais simples. Nos “desenhos” feitos com as palavras, a tendência de quem escreve é tentar explicar tudo, como se desejasse mastigar o conteúdo para o leitor, transformando-o em uma imagem, em coisa concreta.
Quando assisti às aulas da última semana, em que o professor Salvatore Scibona explicava a importância de materializar as ideias em coisas, foi como se um novo mundo se abrisse.
Ué, como assim, ideias feitas de coisas? Pois é, também fiquei intrigada, mas ao final do tópico percebi como não prestamos atenção à língua da maneira como ela se apresenta (ou como a apresentamos). Com frequência, empregamos muitas ideias abstratas, sem concretude, e isso dificulta a leitura e interpretação do texto.
Precisamos, como escritores, fazer com que o leitor perceba o ambiente em que a história se passa, com descrições sensoriais verossímeis, reais, ainda que imbuídas de emoções. Precisamos mostrar a cena, e não contar com ideias abstratas. É como se estivéssemos tentando tirar um retrato da cena ou filmar uma ação, de forma clara. Assim, quanto mais utilizarmos verbos e substantivos – que exprimem coisas e ações – ao invés de adjetivos e advérbios, mais rica e concreta nossa narrativa será.
Respondendo à pergunta que fiz um pouco antes: para transmitir nossas ideias sem que elas sejam abstratas demais, precisamos pensar em escrevê-las sem necessariamente descrevê-las ou falar sobre elas de forma explícita. A história deve se desenrolar por meio de ações concretas, sensações, coisas que são como blocos, tijolos formadores da estrutura narrativa.
É mais fácil fazer o leitor se identificar com um assunto ou “comprar” uma ideia se ele mesmo conseguir depreender o sentido através da história, e não de uma propaganda ou um seminário sobre um tema. Lado a lado com as personagens, o leitor viverá diversas situações e aprenderá a agir em relação a elas ou a encarar o aspecto material da vida e dos acontecimentos.
Acho que é uma questão de prática. Enquanto não domino essa técnica de transformar ideias em coisas, deixo que os mestres me ensinem a ver o mundo de forma mais concreta e palpável.