Em abril do ano passado, escrevi um zine dedicado ao tema da natureza. Nele, incluí alguns textos de reflexão e um poema-protesto sobre a realidade que presencio aqui onde vivo. Naquela época, a prefeitura da cidade onde moro parecia em uma cruzada contra as árvores, “suprimindo”, cortando, removendo e estraçalhando diversos espécimes em várias regiões do município. Esta mentalidade anti-verde continua firme e forte e triunfante por aqui, uma cidade com “Campos” no nome, mas que parece avessa a tudo o que é natural.
No mês de agosto, o prefeito iniciou a construção de uma ciclovia e, para começar a obra, derrubou cerca de 70 árvores. Sim, você leu certo: setenta árvores cortadas de uma só vez, apenas para abrir espaço em uma via. Seriam 140, mas o Conselho Municipal do Meio Ambiente conseguiu intervir e impedir o restante da poda (algo que pode, também, ser revogado a qualquer momento). No entanto, o estrago já estava feito. A justificativa é que tais árvores não são nativas, e que a administração municipal fará a compensação ambiental plantando dez vezes mais esse número. Porém, nós sabemos que a tecnologia já permite fazer muitas melhorias na cidade sem precisar acabar com o verde.
Além do mais, quem controla essas “compensações”? Como a população pode saber se as entidades do município estão cumprindo suas promessas? Não há transparência em nada nesse país. Então, como confiar na palavra de um político que já mostrou ter pouco comprometimento com as questões ambientais?
No início deste mês, foi também aprovada a nova lei de zoneamento, que, entre outras atrocidades, permitirá que prédios imensos sejam construídos em locais já saturados. Infelizmente, por disputas políticas e brigas que mais parecem rixas de torcida organizada, tivemos esse resultado desastroso, que terá consequências péssimas para a qualidade de vida da população. Com a aprovação desta nova lei, será muito difícil, se não impossível, impedir que as 430 árvores do Bosque da Tivoli sejam cortadas (Se você é de São José dos Campos vai entender do que estou falando. Se não, dá uma olhadinha aqui).
Bem, esse é apenas um micro-drama que presencio aqui em minha cidade, e que certamente será elevado à milésima potência, se levarmos em conta todas as atrocidades que o ser humano pratica contra a natureza.
Mas, afinal, o que é “a natureza”?
Em uma breve pesquisa pela internet, encontramos definições diversas para esta palavra. O conceito de natureza engloba o mundo natural, o universo físico, o ambiente em que o ser humano vive, mas que não depende dele para viver. Quer dizer, nós dependemos totalmente da natureza, ao passo que ela pode sobreviver, prosperar, progredir, evoluir e florescer muito bem sem a nossa presença. Tem sido assim desde a criação do mundo.
Com isso em mente, podemos dizer que a natureza também somos nós, pois fazemos parte do ambiente e somos dependentes de seus recursos, como a água, o ar, o sol, os alimentos e a terra em que os cultivamos.
Pensando nesse significado de natureza, sinto uma enorme tristeza, um desespero, até, ao refletir sobre a realidade do planeta atualmente.
Estamos matando a Terra, e, com isso, cometendo um lento suicídio da civilização contemporânea. Poluímos, desmatamos, jogamos veneno, lixo, fumaça, fazemos o que bem entendemos, sempre julgando que não colheremos os frutos disso.
Muitas pessoas partem do princípio de que não estarão aqui para ver o resultado dessa destruição. Já ouvi muitos dizerem: “Credo, que exagero, o que eu tenho com isso? Daqui a alguns anos vou morrer e não ligo se o planeta for extinto”.
E, assim, seguimos, aniquilando a criação, a perfeita maravilha que o universo criou ao longo de milhões de anos, simplesmente por acreditarmos na superioridade do ser humano em relação às outras espécies. Seguimos queimando, serrando, cortando, estraçalhando, poluindo, matando, envenenando, sangrando vidas, desestabilizando o equilíbrio de todo um planeta, em troca de quê? Quanto dinheiro vale a pena?
Quando a ganância e a ambição se mostrarem obsoletas, impotentes diante da fúria da Terra, dinheiro algum poderá salvar a vida dos poderosos.
Todos nós somos a natureza. Não há como continuar nesse ritmo de destruição sem colher os frutos nefastos dessas atitudes.
Encerro o post com dois poemas do zine que mencionei no primeiro parágrafo. Hoje, não sei se tenho esperança de que um dia viveremos em um mundo sem poluição, sem veneno, sem doenças totalmente evitáveis, em harmonia com a criação. Acho que agora só me resta o pesar, aliado à ilusão de que todos irão despertar e agir contra essa absurda cultura da destruição.
São José sem Campos
15 árvores cortadas na Avenida
para melhorar sua vida apressada
E proporcionar um trânsito mais bem organizado
– Afinal, árvore é coisa do passado!
Moderno – ou melhor, pós-moderno – é tudo o que é concreto, cinza,
que só se move com motor e combustível poluente
mas que, pra gente, é vendido como sustentável,
depois de bem embalado com um pano eco-verde-green-clean
– Ecologia é negócio rentável!
430 árvores estão sob ameaça de morte
para a construção de um estacionamento
ou qualquer outro megaempreendimento
– Já ouço o lamento dos comunistas
Diz o patrão com sua mala cheia de dinheiro
em seu jardim gourmet sem insetos, sem lama, sem lesmas
flores e frutas vindas de estufas, crescendo em um belo cativeiro
Como se proteger o verde fosse ideologia política
e não uma questão de humanidade
Como se urgente fosse preservar o verde do dinheiro
Um dinheiro que é vermelho, sujo de sangue de bicho, da natureza,
de seivas ancestrais interrompidas pelo ronco da motosserra
a consumir e destruir toda a beleza pura e viva
Eu, nessas rimas pobres, contemplo uma, duas três árvores caídas ao chão
onde antes havia ninhos, frutos, sombra
vida e mansidão
Nessa cidade, de bosques, ipês, eucaliptos e floradas,
há um constante levante contra o verde
uma emboscada de machados e facões
a revolta do concreto
São José, que antes era dos Campos
agora é dos prédios do cotidiano sem vida
sem canto de passarinho, sem insetos
Uma cidade de estruturas devidamente higienizadas
aos poucos despida de qualquer resquício da vida natural
Fruto cinzento da inconsciente inconsequência ambiental
…..
Naturais
A natureza não é uma entidade separada de nós. Nós somos a natureza.
Mas, quem somos nós? Somos plantas, seres, pedras, matos, águas, planetas, universo, somos cada grão de areia que compõe o mundo e o espaço inteiro.
É tudo uma coisa só, matéria orgânica indistinta e conectada.
Você pode achar que isso é papo de hippie, de gente-índio, achar esquisito esse discurso
em pleno século XXI.
Estranho é achar que se vive fora, isolado, em um contexto separado, longe do caos da organicidade. Somos orgânicos em uma vida sintética, desassociados de nossas origens.
É a solidão que nos aflige, esse monstro criado pelo isolamento na metrópole, nas frias caixas de concreto armado cercado por grades de ferro.
Ferro é orgânico ou inorgânico? E as pessoas, o que são?
Tudo o que sei é que pessoas não são ilhas. Vivemos em conexões complexas, comunidades que dependem umas das outras no delicado tecido da realidade.
Pena que perdemos totalmente o equilíbrio – se é que um dia tivemos.
Pena que nos esquecemos da cooperação, da integração, do intrínseco precisar um do outro.
Seremos salvos pelo coletivo, ou morreremos afogados em nossos umbigos, sufocados pelo isolamento em bolhas gourmetizadas de individualismo.
Seremos salvos pela humildade e pela compaixão, e não pelo complexo de superioridade que sentimos em relação aos outros habitantes do planeta Terra. Humanos, insetos, plantas, seres de todas as espécies – somos todos terráqueos!
Somos todos naturais, frutos da natureza, em carne, osso, carbono e pó de estrelas.
Imagem: Markus Spiske, via Unsplash
Na placa, está escrito, em inglês: “Não há Planeta B”, em alusão a um possível “plano B” em caso de um colapso ambiental em nosso planeta.