E se os Beatles não existissem?

“Yesterday, all my troubles seemed so far away
Now it looks as though they’re here to stay
Oh, I believe in yesterday…” – Lennon/ McCartney – “Yesterday” (a música mais regravada de todos os tempos).

É interessante notar como nossa cultura, nossa sociedade, nossa visão de mundo e nossa vida, em geral, são influenciadas por alguns acontecimentos aleatórios. Não me refiro aqui a guerras e batalhas épicas por libertação, revoluções ou cataclismos – marcos que moldam nosso mundo, em definitivo. A influência a que me refiro tem a ver com a arte, a música e a coragem de alguns indivíduos que, transbordando emoções, transformam a realidade, deixando-a mais colorida, nos ajudando a expressar coisas que nem sabíamos que haviam dentro de nós.

Um exemplo desse impacto é a maior banda de rock de todos os tempos: os Beatles. Talvez você seja uma pessoa que curte mais os Rolling Stones, ou qualquer outra banda clássica,  mas, para dar continuidade ao meu argumento, apenas vamos supor (ou admitir, mesmo que discordando) que esse título pertence aos Beatles.

Semana passada, assisti ao documentário “Eight Days a Week – The Touring Years“, dirigido pelo Ron Howard e, mais uma vez, me surpreendi com a magnitude do sucesso alcançado pela banda. Para além de toda a histeria do início da carreira, os Beatles permaneceram no topo ao longo das décadas e conseguiram consolidar sua fama com letras mais intensas e profundas, refletindo a época em que viveram, acompanhando as mudanças sociais de várias gerações. John, Paul, George e Ringo tornaram-se ícones de estilo, musicalidade e comportamento, tudo isso porque seus caminhos se cruzaram durante a adolescência.

Quatro rapazes comuns de uma cidade mediana da Inglaterra resolvem correr atrás do sonho de viver de música. A princípio, passam pela difícil caminhada de todo músico principiante: tocam em bares desconhecidos, são rechaçados pela mídia e pelo público, vendem poucos discos. Súbito, por algum capricho do destino, caem nas graças dos produtores, das gravadoras, da audiência. Alcançam a fama e o estrelato.

Por causa da decisão que esses jovens rapazes tomaram, lá no final dos anos 50, nada mais foi como era antes. 

Os Beatles inovaram em suas gravações psicodélicas, em músicas como Tomorrow Never Knows ou Love you To, misturando elementos da música oriental e instrumentos inusitados em composições de rock. Foram regravados incontáveis vezes, em versões clássicas, pesadas, instrumentais, românticas.  E, mais ainda: passam a fazer parte do imaginário de milhões de pessoas. Suas canções se tornam trilha sonora de amores, festas, momentos de tristeza, inspirando e revigorando a alma de quem os escuta.

Fico imaginando como seria meu casamento, por exemplo, se os Beatles não existissem, pois eles estiveram presentes em todas as músicas da cerimônia. Me pergunto o que seria da humanidade sem Let it Be, Hey Jude ou Imagine – ok, eu sei que esta última é do Lennon, em sua carreira solo, porém, ainda assim, nem o John Lennon seria o que foi se os Beatles não tivessem existido.

Particularmente, acredito que o mundo seria diferente sem os Beatles e suas contagiantes melodias, sem as reflexões que suas composições suscitaram – mesmo quando eles falavam coisas óbvias como “deixe estar” e “amor é tudo o que você precisa”.

“There’s nothing you can know that isn’t known
Nothing you can see that isn’t shown
There’s nowhere you can be that isn’t where you’re meant to be
It’s easy” – Lennon/ McCartney – “All you need is love”.

Tente imaginar: o que seria da cultura pop se os Beatles nunca tivessem existido? Arrisco dizer que muitas das bandas que conhecemos hoje teriam uma identidade muito diferente. Nossa história cultural e musical teria tomado um rumo bastante diverso. É muito louco pensar assim, não é?

Da mesma maneira, me pergunto: o que seria de nós sem Van Gogh, Machado de Assis, Chico Buarque, Clarice Lispector, Frida Kahlo, Martin Luther King, Nietzsche, Maya Angelou, Buda, Jesus Cristo, Karl Marx, Aristóteles, Virginia Woolf, Cecília Meireles, Madre Teresa de Calcutá… O que seria da história sem as grandes mentes que ajudam a moldar a realidade? Essa é uma pergunta à qual jamais conseguiremos responder, pois é inconcebível um mundo onde não haja tais referências, tamanha sua importância e influência sobre nossas existências.

Incrível constatar o impacto que o pensamento e que as ações de um único indivíduo – ou de um grupo – podem ter sobre a humanidade inteira. De certa forma, essa constatação me faz prestar bastante atenção ao que consumo, às pessoas que me proponho a seguir e a admirar (mas isso é um tema para outro post no futuro).

Mais inacreditável ainda é saber que podemos nos conectar através de suas ideias, ainda que eles e elas não estejam mais presentes entre nós – e que, enquanto houver registros de suas obras e de seu legado, milhões de outras pessoas serão tocadas pela força de suas músicas, pinturas, palavras e doutrinas.

Quem sabe, um dia seremos todos elevados a sublimes epifanias, movidos pelo pensamento e pela criatividade desses sujeitos tão especiais que, sem saber ou planejar (ou quiçá, após muito planejamento e ação consciente), já conseguiram materializar seus sonhos – e, através deles, suas ideias agora estão entrelaçadas à história da humanidade.

You may say I’m a dreamer
But I’m not the only one
I hope some day you’ll join us
And the world will be as one” – John Lennon – “Imagine”.


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