Dizeres

Quero dizer que a vida é um arbusto baixo e espinhento que espreita em meio aos campos de capim-limão. Uma touceira de urtiga camuflada em uma plantação de hortelã, com seus rastros de coceira marcando em brasa a pele no verão.

Quero dizer que me aborreço fácil demais com a maneira como o mundo me recebe – quase sempre braços semiabertos, prontos para repelir o mínimo sinal de amizade, aprofundamento e contato. Uma recepção fria e rasa, uma piscina que, à primeira vista, permite um mergulho fundo, mas que revela ter pouca água e nos faz bater com a cabeça nos azulejos que a revestem. Um copo de cachaça sem álcool, uma promessa não cumprida de embriaguez.

Apago do livro dos meus dias as frases que dizem que não sou o bastante, que eu deveria ser diferente – afinal, não sei como deveria ser.

Muitas palavras me transbordam, em ebulição, corroem dedos, paredes, língua, garganta – por que não as pronuncio? Por que as protejo como tesouros, heranças para os filhos que não quero (e não vou) ter?

É um eterno ciclo: engulo o que não posso falar, ou o que tenho medo de dizer, remoendo e ruminando letras afiadas, palavras amargas e saliva contida. Sou uma represa de sentimentos, sempre a um centímetro de transbordar, mas que não transborda, evapora à luz da razão ou escoa pelo solo lamacento da auto-censura.

Quero dizer que a imperfeição me acompanha, como essas fendas rasgadas na pele, essas marcas de nadas-vazios que tento preencher com – com o quê? Nada preenche os espaços destinados a outra coisa. Nada poderá preencher o que eu mesma preciso aprender a saciar. Nada é nada, e eu quero um tudo que não existe. O tudo de compreender, não a mim, que sou também nada, mas aos outros.

No fundo, eu sou também o outro, que pergunta a todo tempo “Quem sou eu?”.

Eu, a ininteligível, a escritora-fantasma perdida em um reino de sonhos impossível de ser concretizado. Eu, a que não fala o que gostaria, mas que solta letras a esmo, inventando os dias, profetizando sinas sem pé nem cabeça.

No fim das contas, se eu pronunciasse todos os dizeres que engulo, destruiria o universo com minhas lamúrias. O verbo não seria criação – ao contrário, trataria de implodir a existência em minúsculas fagulhas causadas pela fricção das letras de aço saídas da minha boca.

Quero dizer que a loucura é permanente, que não há cura nem esperança para quem engole palavras como quem engole ar para saciar uma fome voraz, devorando dizeres inaudíveis, inspirando canções e expirando silêncios.


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