*Feminista: pessoa que acredita na igualdade política, social e econômica dos sexos.
Ser feminista, para mim, não é uma opção. É necessidade, é algo obrigatório.
Essa é a certeza que tenho ao acordar todos os dias e perceber que, apesar de todos os avanços e conquistas das mulheres ao longo dos séculos, como o direito ao voto e ao estudo, e até mesmo a liberdade de ocupar espaços outrora restritos aos homens, continuamos sendo tratadas como objetos. Como seres inferiores, menos que humanas. Seguimos fazendo parte de estatísticas assustadoras, cada vez mais alarmantes.
Fico pensando: esse é o mundo que eu quero ajudar a construir, é essa a mentalidade que desejo ver disseminada no planeta em que vivo? É óbvio que não. A única maneira possível de fazer com que essas atrocidades não se perpetuem é sendo uma oposição ativa na sociedade.
Um mundo onde o feminismo não seja necessário é o mundo dos sonhos de todas as idealistas, de todas as mulheres que lutam para acabar com a desigualdade.
Ser feminista é declarar abertamente: eu me oponho ao sistema machista que reduz as mulheres a papéis de submissão. Eu me oponho à violência baseada no sexo/gênero, e vou lutar para que as mulheres, coletivamente, tenham mais oportunidades e sejam libertas da opressão.
Ainda assim, há quem torça o nariz quando uma mulher se posiciona dessa forma. E, de fato, não é fácil adotar esse posicionamento, pois o feminismo incomoda.
Muitos afirmam que as mulheres já conquistaram tudo o que precisavam, que não há necessidade de exagerar e ser tão radical, que nem todo homem é ruim, entre outras coisas.
Eu sei das conquistas das mulheres, sei também que os homens, como indivíduos (mas não como grupo), podem ser aliados e pessoas boas e que lutam pela igualdade. Compreendo que já avançamos em alguns contextos, porém não foi o suficiente. Continuamos sofrendo com a opressão sistêmica, que nos puxa para a base de uma pirâmide no topo da qual estão os homens, desfrutando de todos os privilégios de seu gênero. Dentre eles, o principal: a impunidade em relação às violências que praticam contra nós.
E não me refiro apenas às violências consideradas graves, como estupro ou agressão física. Sofremos violência quando somos impedidas de existir sem medo, quando não podemos falar o que pensamos, quando temos que ficar em silêncio para evitar agressões ou humilhações, quando nossos caminhos são repletos de obstáculos colocados deliberadamente por um grupo de pessoas que decidiram que não temos permissão para ocupar os espaços que desejamos.
Quando me percebo como mulher, preciso levar em consideração que sou branca e estou inserida em um recorte social relativamente privilegiado. Entristeço. Sofro e já sofri as consequências do machismo, violências que toda mulher sofre, mas jamais sentirei o que é estar em uma posição de vulnerabilidade extrema.
Como as mulheres que vivem em países dizimados pela guerra e que são exploradas e violadas em troca de ajuda humanitária. Ou meninas que, antes mesmo de se tornarem adolescentes, são vendidas como objetos sexuais. Ou mulheres que morrem nas mãos de parceiros violentos que se acham no direito de punir suas companheiras por não “obedecerem suas ordens”.
Infelizmente, a lista de motivos que justificam a existência do movimento feminista é imensa. Eu gostaria de viver em um mundo onde o feminismo não fosse necessário, onde todas as pessoas, homens e mulheres, vivessem em harmonia, em condições de igualdade. Porém, não vivemos na utopia que idealizei.
A realidade é que, como mulher, me sinto obrigada a fazer algo para combater as desigualdades impostas a nós. Se o silêncio for a única resposta à opressão e à violência, jamais vamos evoluir.
Quando me dei conta de que sou mulher e do que isso significava, de fato, percebi: não posso me calar, eu preciso gritar.
Sou mulher. Por isso, sou feminista.
Deveria ser uma premissa óbvia, mas não é. Ainda há muito estigma em relação ao movimento feminista, talvez porque seja difícil para nós, mulheres, aceitarmos nossa posição como oprimidas.
É algo bem complicado de engolir. Aceitar que fazemos parte de um grupo oprimido de pessoas é um choque de realidade. Como é que, eu, uma mulher estudada, inteligente, independente, dona do próprio nariz posso ser oprimida?
Foi com essa mentalidade que passei anos e anos varrendo para baixo de um tapete metafórico todas as violências “mais leves” que sofri apenas por ser mulher. Todas as vezes em que fui humilhada por um homem – por exemplo: ouvindo piadinhas sobre como ser loira era sinônimo de burrice, ou vendo um chefe dar risada de algo que eu estava dizendo e comentando “tinha que ser mulher” – ou tratada como uma pessoa “menos” – menos inteligente, menos capaz, menos qualificada – apenas por ser mulher, eu encarei como algo trivial. Uma coisa da vida, coisa de “pessoas mesquinhas”.
Mas eu estava fechando os olhos para o fato de que todas essas atitudes tinham sido tomadas por homens em ambientes nos quais eles exerciam algum poder sobre mim: no trabalho e na faculdade, ou nos espaços públicos, ou dentro da hierarquia familiar ou de um grupo de amigos ou em qualquer outro grupo social, na verdade. Porque ser homem, na sociedade patriarcal, é ter poder.
É fácil reconhecer o machismo quando ele é gritante, ou quando não é com a gente. É fácil ver uma mulher que apanhou do companheiro como uma “coitada”, ignorando que isso também pode acontecer dentro da nossa casa ou com nossas amigas e familiares. É fácil olhar uma notícia sobre a condição das mulheres em países distantes do nosso, sem reconhecer como somos tratadas de forma semelhante aqui no Brasil.
Antes de vivenciar um relacionamento abusivo, eu achava que só mulheres fracas permitiam que um homem as humilhasse. Foi realmente chocante perceber que eu também era fraca, e que também fui vítima do machismo.
Na verdade, reconhecer sua condição de oprimida não tem nada a ver com ser fraca. Vejo isso como o primeiro passo para recuperar as rédeas da nossa própria existência, como uma forma de se apoderar da sua própria história e tentar reverter essa situação. Em conjunto, com outras que sofrem as mesmas opressões.
Enquanto nos impõem que lugar de mulher é na cozinha ou atrás de um homem, o feminismo me ensinou que lugar de mulher é na luta. Enquanto o mundo me diz que sapato, bolsa, maquiagem, fragilidade e frivolidades são “coisa de mulher”, a experiência me ensinou que coisa de mulher é ser resiliente, é superar, é buscar apoio umas nas outras e criar soluções para nossos sofrimentos, com ou sem batom.
Encerro esse texto com uma importante palestra da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, e um apelo às mulheres (e aos homens que desejam ser nossos aliados): “Todos nós deveríamos ser feministas”.
Imagem: emaze.com
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