Leituras de julho – Sentimentos, experiências e desdobramentos

No início do ano, retomei meu hábito de ler pelo menos dois livros por mês – a meta ideal seria um livro por semana, mas nem sempre é possível. Eu escolho os títulos sem preconceitos, porque tenho sentido uma necessidade enorme de expandir meus horizontes.

Eu costumava evitar romances, dramas, livros muito densos – porque sabia que iriam me tocar muito profundamente. E eu não estava preparada para isso.

Logo eu, que adoro revirar minha alma do avesso e colocar no papel tudo o que me corrói!

Graças a Deus, superei essa fase. Até porque, se quero escrever, tenho que ler muito e todo tipo de livro, não é mesmo? Por força do acaso, durante o mês de julho todos os livros que li trataram de sentimentos intensos. Sofrimento, desespero, renovação, luto, autoconhecimento.

E, embora a leitura destes temas tenha me levado às lágrimas, posso dizer que sou uma pessoa melhor em agosto, após ter passado um tempo com essas narrativas.

livros de julho

O primeiro da minha lista foi o livro “O Amante“, da Marguerite Duras. Que texto poderoso! Nele, a autora narra o período em que viveu na Indochina, sua iniciação sexual com um homem 12 anos mais velho, a loucura da mãe e as relações familiares permeadas pelo ódio. A narrativa é autobiográfica, mas deixa uma pulga atrás da orelha sobre o quanto daquilo realmente é verdade. Neste sentido, beira mais a autoficção.

“A história da minha vida não existe. Ela não existe. Nunca há um centro. Nem caminho, nem linha”.

O posfácio, além da citação acima, traz uma declaração de Marguerite que me impactou muito. Ao ser questionada sobre o poder da escrita literária, ela respondeu:

“Mais do que uma maneira de viver, a literatura é uma maneira de morrer, de morrer para si mesmo”.

Eu poderia ter parado por aqui. Só esta frase já é material para passar meses refletindo.

No entanto, a lista de livros não iria diminuir por si só.  Sendo assim, terminei também “Tudo o que tenho levo comigo” da Herta Müller – vencedora do Prêmio Nobel em 2009. O romance em primeira pessoa conta a trajetória de Leopold, um jovem homossexual alemão que é capturado pelos russos após a segunda guerra. Ele passa cinco anos em um campo de trabalho forçado, sofrendo toda sorte de horrores.

Ao longo dos capítulos, nós leitores sentimos junto com o personagem suas angústias, a fome – que chega através de um Anjo especial que acompanha a todos – a solidão, o medo de ser esquecido pela família, os piolhos, a morte que sempre ronda e leva seus amigos.

Quando Leo retorna do campo de trabalho, ele não consegue mais existir como antes – ele é um estranho em sua própria casa, em sua terra natal. Ele não tem boas memórias ou tesouros, e já não é mais o mesmo.

“Que aqui em casa tudo isso não podia ser outra coisa, porque se manteve idêntico. Tudo, com exceção de mim mesmo”.

Nem preciso dizer que foi uma leitura extremamente triste e emocionante.

A surpresa do mês foi “A Teta Racional“, da Giovana Madalosso. Este foi o título que escolhemos para o nosso Leia Mulheres do mês passado. Trata-se de um livro de contos, todos narrados do ponto de vista de personagens femininas. Os sentimentos que permeiam as narrativas são muitos, tão diversos quanto suas protagonistas.

Os contos que mais me chamaram atenção foram “A Paraguaia”, que conta a história de duas amigas, a amizade que se forma entre elas na época da faculdade e seus destinos improváveis; e “Suite das Sobras”, que narra a história de uma mulher e sua mãe em uma viagem que as aproxima.

A autora conseguiu expressar muitas das emoções que deixamos guardadas na gaveta, de uma forma clara e crua. E por isso me encantou. Talvez a gente romantize demais certas coisas, sem necessidade.

“Levantei com trinta e sete anos e me dei conta de que, desde que tinha me mudado para São Paulo, eu tinha fumado uns cinco mil maços de cigarro, ovulado umas cento e cinquenta vezes, oxidado alguns milhões de células, gasto mais de cem mil em terapias de todos os tipos, e tudo o que eu tinha era um apartamento e um cargo de novelista, o que podia soar muito bem para os outros, mas não aplacava em nada a minha solidão”. – A Paraguaia.

Quantas vezes não sentimos o mesmo, com nossos sucessos e conquistas, que não aplacam a solidão e não nos fazem alcançar o que desejamos sentir?

Achei interessante que, no fim das contas, todos os livros me levaram a refletir sobre minhas próprias experiências e sobre o que venho sentindo nos últimos tempos.

Eu diria que atingir a maturidade é como aprender a manusear aquele botãozinho de volume daqueles aparelhos de som antigos. Este botão é responsável pelos nossos sentimentos. Com o passar do tempo, a gente sabe exatamente quando e como mexer o botão para mais ou para menos, controlando de forma precisa a intensidade do que sentimos.

E as coisas que vivemos têm um papel crucial nesse aprendizado. São as nossas experiências que nos ensinam a respeito das nossas emoções – quando sua intensidade  é algo bem-vindo, quando devemos agir de forma mais neutra, quando é necessário retrair e se recolher para pensar na vida.

Só sabe do amor quem já amou. Só é capaz de abrandar a raiva ou o ódio quem já perdoou ou pediu perdão. Só podemos sentir a barriga cheia com satisfação quando fomos acometidos pela fome.

Nesse sentido, penso sempre na minha vida como uma histórica fictícia, sobretudo em relação aos acontecimentos passados. Eu os observo e analiso à distância, como se estivesse lendo um livro que tem muito a me ensinar. Porque, no fim das contas, a narrativa que mais importa para nós é a da nossa própria história de vida.

No mês que vem eu volto com mais um post sobre as leituras do mês de agosto!


O Amante – Marguerite Duras – Cosac & Naify, 2012

Tudo o que tenho levo comigo – Herta Müller – Companhia das Letras, 2011

A Teta Racional – Giovana Madalosso – Editora Grua, 2016