Expressando a gratidão por quem me inspira a escrever

Estou fazendo mais um curso de escrita – já é o segundo deste ano. Tenho crescido muito como pessoa e escritora neste percurso, principalmente porque o meu compromisso com a escrita se firmou de uma vez por todas. Já consigo dizer “sou escritora” sem sentir vergonha.

É claro que nem sempre publico na internet, porque nem tudo merece ser postado. Ou às vezes merece, mas ainda não é a hora certa. Acredito que essa capacidade de filtrar as coisas, de saber reconhecer o que é apenas prática e o que pode ser lapidado e se transformar em arte, também faz parte do processo de amadurecimento.

A Bea Galvão, que está ministrando o curso, propôs um exercício de reconhecimento da nossa família literária. O objetivo é enumerar quais escritores estão, neste momento, exercendo influência sobre o que escrevemos, elencar os motivos para isto e trazê-los para perto – tendo em mente que esta família literária irá sofrer mudanças ao longo do tempo. Além disso, tivemos que escrever uma carta a um dos autores da lista, pedindo para se tornar o nosso padrinho/madrinha literário/a.

Pois bem. A princípio, imaginei que iria escolher alguém como a Clarice Lispector, a Virginia Woolf ou o James Joyce. Eles são como a Santíssima Trindade das minhas inspirações para escrever. Acontece que, embora sua influência seja inegável na minha trajetória de leituras, foi a Natalie Goldberg que me colocou de volta nos trilhos.

pexels-photo-209257
Imagem: Pexels.com

Posso dizer, sem medo de exagerar, que se não fosse pelos livros dela Wild Mind – living the writer’s lifeEscrevendo com a Alma, eu ainda estaria empacada no primeiro post desse blog, dois anos atrás (o blog já tem dois anos, viva!). Não teria publicado nas antologias das quais já participei. Não teria escrito metade de um livro. E, certamente, não teria a coragem de assumir o meu propósito de vida como estou fazendo agora.

Sendo assim, deixo aqui minha singela homenagem a esta mulher que me ajuda, diariamente, a assentar os tijolinhos que estão servindo de fundação para a minha vida como escritora.

Querida Natalie,

Estou sentada em um café na Avenida Nove de Julho, admirando os borrões de carros velozes que passam a cada três ou quatro segundos, emoldurados por uma janela estreita. À minha frente, tenho uma xícara de cappuccino com chocolate belga, meu caderno e uma mesa onde um casal parece discutir entre os dentes e com gestos contidos.

Está frio, é um típico dia de inverno, cinza e preguiçoso. Aqui dentro há poucos ruídos, exceto pelo tilintar das louças e o barulho do vapor sibilante expelido pela máquina de espresso, e até a música ambiente é tão baixa que parece mais um sussurro. Acho que escolhi um bom lugar para passar a tarde conversando com você.

É estranho ter que me apresentar, pois já travei tantos diálogos fictícios com você, que até parece que somos amigas de longa data. Meu nome é Mariana, tenho 34 anos, sou tradutora e escritora – termo do qual tomei posse graças aos seus conselhos em Escrevendo com a Alma. Moro no Brasil, no interior do Estado de São Paulo.

Muitas vezes sinto a solidão de viver em uma cidade que ainda não consigo chamar de “minha”, pois me mudei para cá há pouco tempo e não totalmente por opção. Nem sei se posso considerar sete anos como pouco tempo, mas o fato é que não me sinto como alguém “daqui”. Mesmo assim, consegui encontrar felicidade, amor e acolhimento nesta cidade – além de belos lugares como este café. 

Quando conheci os seus livros, eu me sentia com a alma ressecada. Toda vez que me sentava para tentar criar alguma coisa era como se a água que hoje corre dentro de mim estivesse totalmente esgotada. Eu era um poço seco de frustrações.

Então, li os primeiros capítulos de Wild Mind. Ganhei o livro já bem surrado, de um ex-namorado que, à época, acreditava que o texto seria útil para aprimorar a minha fluência em inglês. Mal sabe ele que o livro serviu para fazer brotar em mim um lago fértil de inspiração, do qual sigo me nutrindo até hoje.

Voltei a escrever naquele mesmo dia. Com o passar dos anos, colecionei cadernos e textos maltrapilhos no meu computador, mais rabiscos do que coisas coerentes, é claro. Mas, como você bem me disse diversas vezes ao longo desses anos, “mantenha sempre a caneta em movimento”. E é o que tenho feito.

Estou levando este ofício a sério. Já publiquei alguns contos, mas confesso que ainda tenho medo de me abandonar totalmente, de dar o passo definitivo para viver de escrever. Talvez seja apenas o meu ego, que ainda não aprendeu a viver o presente e a abrir mão do que não posso controlar. Estou divagando, como sempre.

O que eu gostaria de dizer a você é que seus textos me tocaram profundamente, remexeram o solo infértil da minha mente e me colocaram em movimento. Seguindo a prática diária, pude entrar em contato com o que há de mais puro e primitivo dentro de mim. Foi como se você estivesse aqui, ao meu lado, me conduzindo até este lugar iluminado e onde tudo é clareza e plenitude. Onde podemos ser criadores e inventores, onde podemos transformar a dor em arte.

Quando comecei a escrever esta carta, minha intenção era pedir que você me apadrinhasse, atuando como minha mentora, talvez. Que me indicasse uma direção, ou que me mostrasse como transformar em coisa viva o que está adormecido dentro de mim. E enquanto as palavras fluíam, notei que, na verdade, você já fez isso por mim, sem ao menos me conhecer. E por isso eu sou e serei eternamente grata.

Encerro esta carta com o compromisso de permanecer firme nessa estrada. E com um convite para você: me encontre para um café, aqui neste cantinho perdido de São José dos Campos, onde servem deliciosos bolos e cookies de chocolate – e eu sei que você tem um fraco por esses quitutes. Estarei te esperando, com um abraço, a caneta nas mãos e um pedaço de mim rabiscado no papel.