(…) o livro, esse pequeno móvel da inteligência, esse pequeno instrumento que põe em atividade nosso entendimento, esse motor do espírito que vem socorrer nossa preguiça e mais amiúde nossa insuficiência, e que nos dá o delicioso prazer de acreditar que pensamos, enquanto que talvez não pensemos em absoluto, é um amigo precioso e muito caro.
- Émile Faguet em A Arte de Ler
Os amantes da literatura e dos livros, em geral, tendem a dizer sem pestanejar que a leitura é uma de suas atividades favoritas. Abrimos um volume e viajamos pelas páginas, através do reino do conhecimento.
Vivenciamos histórias mirabolantes, passeando pelas vidas de ilustres personagens do mundo real, conhecendo o modo de pensar de pessoas diversas e incrivelmente complexas, aquecendo o coração com poemas belos e cheios de emoção.
Passamos a enxergar o universo de uma maneira diferente do que o conhecíamos antes de entrarmos em contato com as ideias e as narrativas que lemos, o que nos ajuda a crescer e expandir os horizontes. Isto, é claro, no caso dos bons livros, bem escritos e que têm algo a dizer.
Ainda que falemos dos livros ruins e sem um conteúdo desafiador, sempre haverá a necessidade de abrirmos um livro ou acessarmos um site que nos traga informações, instruções, ou o puro entretenimento.
E por mais que não sejamos leitores assíduos ou viciados em livros, seremos obrigados a ler determinadas coisas ao longo de nossa vida escolar, acadêmica ou no trabalho.
É óbvio que todo aficionado por literatura é alfabetizado e dotado de capacidade intelectual para compreender os textos, porém, será que dominamos a arte da leitura? Pode parecer que essa é uma atividade mecânica, na qual decodificamos as letras e interpretamos os significados, apreendendo o conteúdo de forma instantânea, mas não é bem assim que funciona.
Ler é, antes de mais nada, um processo que exige cuidado e atenção. Nesse sentido, acredito que a nossa geração está bem distante de ser um exemplo de bons leitores, especialmente no que tange a interpretação do texto – atributo que parece muito escasso nos dias em que vivemos.
Somos capazes de devorar os livros de ficção bem depressa, pois desejamos nos manter atualizados em relação aos lançamentos do mercado editorial. Estudamos, lemos jornais, estamos imersos num constante e frenético fluxo de informações e, graças à Internet, temos a impressão de que todo o conhecimento existente está ao nosso alcance através de um mero clique.
Embora isso seja parcialmente verdadeiro, de nada nos adianta ter acesso aos conteúdos se não soubermos como interagir com eles da forma correta. Considerando tudo isso e a minha formação acadêmica em Letras, acredito ser muito importante parar e refletir sobre como estamos lendo, inclusive até mesmo ler sobre o ato de ler.
Em seu livro A Arte de Ler, Émile Faguet expõe seus conceitos e utiliza exemplos da literatura clássica e de diversos estilos literários para sustentar a sua tese de que nos transformamos em diferentes tipos de leitores, dependendo da natureza do que estamos lendo – e como essa transformação é necessária para atingirmos o objetivo desejado ao começarmos a ler um livro.
Com base nessa premissa, o autor afirma que lemos pouco e, aqueles dentre nós que têm o hábito de ler com frequência, embora tenham o intuito de adquirir instrução e conhecimento, não sabem ler muito bem. Ele nos presenteia como uma espécie de manual de “como ler bem”, porém de uma forma mais avançada, tendo em vista as diversas posturas que precisamos adotar ao nos depararmos não só com os vários gêneros da escrita, mas também quando entramos em contato com autores distintos.
Existem formas distintas de se ler, cada qual adequada ao objeto da leitura.
Se estamos lendo um livro de ficção, dependendo de seu teor, podemos nos dar ao luxo de sermos menos atentos do que quando lemos um livro de filosofia ou qualquer outro assunto no campo das ideias – e isso também se aplica a livros técnicos e educativos. É preciso ler devagar, reler, fazer anotações e resumos se temos a intenção de verdadeiramente aprender o que o autor se propõe a nos ensinar.
Ao lermos um poema, levamos em conta não só o conteúdo, como também a forma, e acabamos nos encantando com os belos versos, por vezes transformadores, do poeta que os criou. Quando adentramos o universo dos livros, devemos ter em mente que nem sempre a mesma conduta trará bons resultados no que diz respeito à compreensão ou ao aproveitamento da leitura.
Sendo assim, é necessário, a princípio, identificar o motivo pelo qual você está lendo este ou aquele texto. No entanto, em todos os casos, ler devagar e com atenção é crucial. Se o seu objetivo é apenas passar o tempo, talvez você pense que ter atenção total ou ler devagar é desnecessário.
Porém, pense melhor: imagine-se em sua posição mais confortável, lendo um livro divertido ou fantástico, quando, de repente, por pura falta de atenção, você deixa passar uma informação crucial a respeito de um personagem, de um acontecimento ou da contextualização da narrativa. Certamente, ao final do livro, restará uma grande interrogação em sua mente, um pedaço faltando.
Ler com atenção e sem pressa se torna ainda mais urgente quando o objetivo é o aprendizado. Pelo ato da leitura, conhecemos novas palavras, novos conceitos que demandam nosso total entendimento, não apenas para podermos tirar boas notas nas provas baseadas em seu conteúdo, mas para que possamos compreender o mundo de uma forma menos caótica.
Uma das funções mais relevantes da leitura e da literatura é nos ajudar a organizar os pensamentos, a saber interpretar melhor o que está ao nosso redor e, consequentemente, a nos expressarmos de uma maneira eficiente e coerente.
Ou seja: mais vale demorar um mês para ler um livro de cem páginas com qualidade do que ler cinco livros por mês sem descobrir as maravilhas escondidas por trás de cada palavra, cada frase escrita pelo autor.
Sendo assim, por que não dedicar um tempo entre nossas listas de leitura para reler aqueles textos marcantes – e, quem sabe, desvendar tantos outros mistérios os quais deixamos passar da primeira vez?
Imagem: Andrew Branch