Quanto você vale?

Pensei em começar esse texto dizendo como vivemos uma época complicada para quem valoriza o invisível, a alma, os sentimentos. Porém, enquanto redigia esta frase, toda a história da humanidade caiu sobre a minha consciência como uma bomba atômica.

Não, os nossos tempos não são particularmente difíceis, essa parece ser uma característica intrínseca da vida nesse planeta. Minha religião diz que o grande problema é o pecado original, que corrompe o ser humano e o distancia do bem e, por consequência, de Deus e tudo o que ele representa, mais especificamente o amor.

Por não sabermos amar ao próximo e a Deus, estamos reverenciando outras coisas, adorando falsos deuses e transformando o amor em algo que também se pode comprar. Como todo o resto.

Além da religião, outras vertentes também apontam para a ganância e o materialismo como sérios problemas da atualidade, exceto que esses não são males exclusivos da atualidade. A história pesa novamente em minha memória ao ponderar sobre essas questões, visto que, desde que se tem notícia, o que se tem, ou o que se pode tocar, coletar, reunir, colecionar, acumular adquire maior importância.

Como se a vida em sociedade transformasse o homem em um animal sedento por dinheiro e bens materiais, custe o que custar. Como se fôssemos todos predadores uns dos outros, e, em conjunto, predadores da própria natureza, que sofre as consequências de nossa necessidade de consumir. 

Eu não sei de quem é a culpa pelo estado em que o mundo se encontra, ou em que sempre se encontrou. Seria bem fácil colocar a culpa no demônio ou em entidades malignas externas a nós, cuja missão seria apenas influenciar as nossas mentes a cometermos atos horrendos, amenizando as nossas próprias culpas.

Mas não é esse o caso. Somos bem capazes de escolher entre isto ou aquilo, seja lá quais forem as opções que se enquadram nesses pronomes demonstrativos. E acredito que, coletivamente, estamos escolhendo fechar os olhos, ensinando as gerações futuras que o mais importante é um bolso cheio, ainda que isso signifique uma alma vazia. Uma vida fria, contanto que bem remunerada.

O que me leva a outro questionamento: Se alguém é privado de todos os bens materiais, posição social, profissão, cargos, diplomas, o que lhe resta? Somos medidos por aquilo que conseguimos comprovar – nossas habilidades, bem redigidas em belos papéis que emolduramos e penduramos na parede; nossas contas bancárias, que veneramos com apreço e mantemos com mais zelo do que nossa saúde; e qualquer objeto concreto que possa evidenciar uma condição de vida que, muitas vezes, não traz satisfação plena.

Medimos o sucesso em quantidade, e não em qualidade. Na escola, crianças e adolescentes são avaliados por sua capacidade de se enquadrarem em um sistema de notas, e não por seu caráter, sua amabilidade, ou outras qualidades mais abstratas e que não produzem resultados concretos.

Criamos essa maneira de viver, que só valoriza quem é capaz de produzir algo palpável, gerar lucro. Fingimos que educamos as crianças, quando, na verdade, nós as estamos moldando para serem bons funcionários, que sabem atingir metas e ganhar recompensas.

Sei que é tudo bem mais complexo do que isso. Se perguntarmos para uma criança bem pequena o que ela quer ser quando crescer, dificilmente ouviremos uma resposta relacionada a dinheiro – ou talvez eu esteja errada e hoje as coisas sejam diferentes, o que seria bem triste.

À época do vestibular, lembro-me de ter sido taxada de maluca quando escolhi fazer Letras, pois certamente não tinha a consciência de que iria ganhar mal. Eu usei muitos argumentos para refutar essas suposições, dizendo que uma profissão era apenas uma profissão e que dinheiro não importava tanto, e essa é uma convicção que, dez anos depois, ainda permanece comigo. Mas não com o resto do mundo. Somos todos considerados fracassados quando não escolhemos o dinheiro acima de todo o resto.

Enquanto pensava em como começar esse texto, em todas as considerações acima, tentei mensurar meu próprio valor em termos materiais. Foi então que me senti vazia, uma pessoa medíocre, sem ter realizado grandes feitos ou conquistado algo digno de nota aos olhos da mentalidade materialista que paira sobre nós. Aquela convicção de outrora, o pedaço mais ínfimo que compõe o que sou, essa alma que sonha em escrever e estudar e simplesmente ser, sentiu-se acuada.

Eu não saberia dizer o quanto valho, ou o que sou, sem levar em conta a materialidade da minha existência. Faz sentido isso? Não sei, e isso me aflige um pouco. Eu não sei me medir em termos quantificáveis, e não saberia dizer qual é o meu valor em dinheiro.

É como se a vida fosse uma interminável entrevista de emprego, com todos os olhos voltados para você, indagando quais as suas aspirações, sua formação profissional, suas especializações. O que você tem aí nesse pedaço de papel tão valioso, e quanto você gostaria que pagássemos por isso? Todas as vezes que precisei mandar um currículo para alguma empresa eu ficava horas empacada na tal pretensão salarial, porque essa é a pior parte.

Como avaliar o quanto vale o meu trabalho, de forma honesta e sem levar em conta os parâmetros já aplicados pelo mercado? Você vale mil e oitocentos reais, senhora. O seu tempo, a sua saúde, a sua dedicação, resumem-se a esse valor no seu contra-cheque.

Respirei fundo e voltei a lembrar da vida, da história da humanidade, das pessoas. Tão complexas e cheias de características incríveis que não podem ser medidas, de forma alguma. Muitas delas, consideradas fracassadas, mas que me ensinaram coisas preciosíssimas. Qual é o valor da sabedoria, da maturidade, da capacidade de ajudar ao próximo incondicionalmente?

É impossível quantificar em reais, ou dólares, ou euros, o valor de uma mãe, de uma família, dos amigos que nos cativam sem pagar nada por isso. É impossível obter um extrato bancário de quanto vale ser amado, de verdade.

Eu continuo sem saber o quanto valho. Mas tenho o sorriso e o calor do meu marido, o abraço dos meus pais e o amor que sentem por mim, o carinho dos amigos, as curtidas nos meus textos tão mal-acabados, o ronronar de meus gatos, um abraço forte do meu afilhado, os desenhos da minha enteada, o amor da minha irmã. E é essa a riqueza que eu busco.


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