Não jogue dinheiro no lixo

Durante uma pausa no trabalho, passeando pelo Facebook, li um texto que me tocou profundamente, na linha do tempo de uma amiga:

“Uma proximidade incômoda. Perigosa. Bela. E a proximidade incômoda é exatamente onde precisamos ficar se quisermos transformar essa cultura de afastamento e desconfiança fundamental […] Passei a maior parte da vida tentando ficar a uma distância segura de qualquer coisa que parecesse incerta e qualquer pessoa que pudesse me ferir. Porém aprendi que a melhor maneira de encontrar a luz nas trevas não é afastando as pessoas, mas caindo nos braços delas.”

Em resposta ao meu comentário, ela me informou que este é o prefácio de um livro que eu estou querendo ler há muito tempo, The Art of Asking (A Arte de Pedir), escrito pela estranha e incrível Amanda Palmer.

No breve diálogo que tivemos, com poucas palavras, atribuí à falta de dinheiro o fato de ainda não tê-lo comprado. Ala me respondeu com a recordação de uma divertida conversa entre nós, há alguns meses, sobre ser adulto.

Falávamos, nessa ocasião, que uma das grandes (talvez a única) vantagens de ser dona do próprio nariz e não depender financeiramente dos pais é poder comprar o que você bem entender, sem prestar contas. E fazer o que der na telha com aquilo que você comprou.

Ou então, ser capaz de adquirir aquilo que você sempre quis quando era adolescente, mas seus pais não deixavam. Fazer uma tatuagem, pintar o cabelo de colorido, gastar mil reais em discos, torrar o salário com viagens ou shows, afinal quem vai arcar com a consequência da bancarrota ao final do mês é você.

Argumentamos sobre a maravilhosa sensação de fazer algumas extravagâncias, ainda que bobas ou que não custem tanto assim, mas que nos trarão momentos de alegria. Além, é claro, de nos propiciar um afastamento do fardo de viver somente para pagar contas – que está no topo da lista das desvantagens de não ser mais criança. 

Veja, não pretendo, com isso, estimular algum possível leitor a adquirir um objeto e jogá-lo no lixo, só por desaforo, por exemplo. Mas, se você se sentir inclinado a fazê-lo, estando nessa posição de pessoa crescida, que trabalha e paga suas contas, go ahead. Faça, sem medo.

Ninguém está em posição de julgá-lo, pois o dinheiro é seu. Você ganhou com horas  e mais horas desperdiçadas num frio escritório, ou numa função que, provavelmente, você nem gosta tanto. É como se fosse um prêmio seu para você mesmo, o seu quinhão – a promessa que fizeram com a falácia da meritocracia, mas que você nunca recebeu de ninguém.

É triste pensar que precisamos consumir para apaziguar a nossa insatisfação. Mas esse é um fato da vida no capitalismo, e, quando em Roma…

Ao final dessa troca de comentários, o conselho da minha amiga foi: “Compre o livro e seja feliz. Vai gastar o dinheiro com o quê? Comida?“.

Pois é. Com comida, contas, economizando para sei lá o que… Essa despretensiosa troca de palavras me levou a questionar os motivos de tanta insegurança com relação ao dinheiro e ao futuro. Além da culpa que costumo carregar ao gastar com algo que eu não deveria.

Gastar dinheiro com livros nunca, jamais, em hipótese alguma deveria ser considerado supérfluo. Embora sejam objetos como todos os outros, a riqueza contida neles não tem preço e o que adquirimos após completar sua leitura não é palpável, tampouco efêmero.

Ler pode transformar a sua vida, seja lá qual for o tema. Em geral, pagar por arte, viagens e entretenimento não me parece um dinheiro perdido, pois são experiências essenciais para o nosso crescimento, ou para esquecermos da vida de gado que levamos. Salvo em momentos de contenção de despesas, quando o vermelho das contas é mais vivo do que o sangue que deixamos no escritório.

Costumo ser uma pessoa cautelosa com as finanças e tento não deixar a situação chegar ao extremo. Refreio os impulsos de compras, mas às vezes penso que deveria me presentear um pouco mais com pequenos regalos.

E, ao refletir mais a fundo, concluí o seguinte:

Viver é jogar dinheiro no lixo.

Vou ao mercado, deixo no caixa mais de trezentos reais em produtos que, na semana seguinte, já não existirão. Pago a internet, a conta do telefone, as prestações, contribuo com impostos que vão para o bolso sabe lá de quem. A gasolina que move o meu carro evapora a cada segundo, queimando o meu suado dinheiro nas explosões dentro do motor.

Porém, reprimo o desejo de comprar um sapato, um livro, de ir ao cinema todas as semanas, por medo de não sobrar um centavo no balanço bancário antes de receber o salário do mês seguinte.

Acontece que, como sabemos, tempus fugit. A vida passa rápido, e amanhã pode ser que nunca chegue para qualquer um de nós. Aliás, o próximo minuto é uma incógnita, por mais planejada que seja a sua rotina.

Pode ser que o governo decida roubar todas as suas preciosas economias, como fez o infame Collor, no passado, e você tenha perdido a oportunidade de ir naquele concerto internacional que custava um pouco mais do que você imaginava, mas que não ia causar a sua fome ou desgraça.

Os bancos hoje parecem estáveis, mas quem garante que a economia não sofrerá um colapso, como aconteceu lá nos idos de 1929? É impossível garantir cem por cento que todo o seu sofrido investimento vai permanecer exatamente onde está.

De modo que vale a pena não se prender absurdamente ao número que nossa conta bancária exibe – se você pensar bem, é apenas uma cifra virtual. Ademais, dinheiro é só um monte de papel que a gente insiste em valorizar acima de tudo.

A prudência é uma virtude essencial para vivermos em equilíbrio, e isso se aplica à administração da nossa preciosa moeda. Porém, é possível, tendo um salário mais confortável, pagar as contas e ser um pouco feliz, desfrutando das coisas que se gosta, de vez em quando. Passar a vida toda com dinheiro sobrando só vai fazer de você um cadáver rico.

Por isso, sejamos felizes. Não joguemos nosso dinheiro no lixo, façamos com ele aquilo que nos dá alegria!


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